
“No ano terceiro do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, veio Nabucodonosor, rei da Babilônia, a Jerusalém e a sitiou. O Senhor lhe entregou nas mãos a Jeoaquim, rei de Judá, e alguns dos utensílios da Casa de Deus; a estes, levou-os para a terra de Sinar, para a casa do seu deus, e os pôs na casa do tesouro do seu deus.” (Daniel 1:1-2)
Introdução ao Livro de Daniel
Hoje damos início a uma série especial sobre o livro de Daniel. A proposta é analisar alguns versículos de maneira profunda e tirar lições aplicáveis à nossa vida espiritual.
O livro de Daniel é um dos mais enigmáticos da Bíblia. Se você já leu todo este livro, sabe bem do que estou falando. A forma como ele entrelaça história e profecia é tão precisa que, por muito tempo, céticos acreditavam que ele teria sido escrito posteriormente aos eventos profetizados. No entanto, sabemos que as visões registradas por Daniel foram reveladas por Deus, que conhece e controla todas as coisas. Começaremos nossa jornada pelo capítulo 1, analisando os versículos 1 e 2.
Nosso estudo seguirá a sequência natural dos capítulos e versículos, permitindo um entendimento progressivo dos acontecimentos. Convido você a abrir sua Bíblia e acompanhar a leitura:
“No ano terceiro do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, veio Nabucodonosor, rei da Babilônia, a Jerusalém e a sitiou. O Senhor lhe entregou nas mãos a Jeoaquim, rei de Judá, e alguns dos utensílios da Casa de Deus; a estes, levou-os para a terra de Sinar, para a casa do seu deus, e os pôs na casa do tesouro do seu deus.” (Daniel 1:1-2)

Mesmo em uma leitura superficial, já percebemos a profundidade desse trecho. O rei e o reino de Judá estão sendo entregues nas mãos de Nabucodonosor. Isso levanta algumas questões: Judá não era o professo povo de Deus? Não era este povo que recebeu orientações divinas no que diz respeito a estilo de vida, sistema de governo, normas, mandamentos, entre outros assuntos? Não foi por meio desses que Deus operou milagres que ficaram conhecidos por todas as nações vizinhas? Não era dessa nação que nasceria o tão aguardado Messias? A grande questão é: Por que Judá, eleita e escolhida por Deus para ser seu povo peculiar, está sendo entregue nas mãos da Babilônia?
O Declínio de Judá
Para entendermos melhor esse relato, precisamos voltar no tempo. Deus separou Abraão e seus descendentes para formar um povo especial, que deveria transmitir o conhecimento divino às demais nações. Através de Isaque e Jacó (que teve seu nome mudado para Israel), originaram-se as doze tribos que formaram o povo de Israel.
O propósito de Deus era que Israel influenciasse as nações que estavam ao seu redor, e isso aconteceria à medida que cumprissem as orientações divinas, pois Deus os abençoaria de maneira tão visível, que as outras nações veriam a prosperidade espiritual dos filhos de Israel e automaticamente seriam levadas a adorar a Deus através do exemplo deles. Mas o que ocorreu foi o contrário: o povo de Deus adotou práticas pagãs, incluindo idolatria e sistemas de governo distantes da vontade divina. Com o passar do tempo, essa corrupção espiritual se agravou.
Mas Deus não desiste do seu povo e, com o objetivo de os trazer ao propósito do chamado, enviou profetas após profetas com mensagens de advertência para que abandonassem a impiedade e se arrependessem dos seus pecados, mas, infelizmente, eles rejeitaram a ajuda oferecida e preferiram andar em seus próprios caminhos. A cada rejeição, o coração ficava mais endurecido.
Por volta de 931 a.C., houve a divisão do reino, e o que estava ruim ficou ainda pior. Com essa separação ocorrida logo após a morte do rei Salomão, dez tribos formaram o Reino do Norte, também conhecido como Israel ou Efraim, e duas tribos permaneceram no Reino do Sul, formando o reino de Judá. O Reino do Norte nunca teve um rei que seguisse os caminhos do Senhor e acabou sendo destruído pelos assírios em 722 a.C., que os espalharam por vários territórios e assim se misturaram com os povos pagãos por meio de casamentos, até serem completamente assimilados por culturas e costumes pagãos, resultando na perda da identidade das dez tribos do norte.
Já no Reino de Judá as coisas foram um pouco diferentes, pois tiveram alguns reis tementes a Deus, como, por exemplo: Asa, Josafá, Joás, Amazias, Azarias, Jotão, Ezequias e Josias. Apesar disso, no geral, o povo não estava com o coração convertido e ofereciam sacrifícios a falsos deuses, corroendo os ensinamentos que haviam aprendido, principalmente no que diz respeito ao primeiro e segundo mandamentos.

Dentre os reis que fizeram o que era reto aos olhos do Senhor, gostaria de ressaltar a figura de Josias, que promoveu um grande reavivamento espiritual, começando pela reforma do templo, destruição dos altares pagãos, celebração nacional da Páscoa e a restauração da lei. É uma pena que Josias tenha morrido em uma batalha que não deveria ter entrado. O faraó Neco, rei do Egito, partiu para ajudar a Assíria a retomar as cidades que haviam sido anexadas pela Babilônia. No entanto, durante seu percurso, ele e seu exército precisavam atravessar o território de Judá. Ao saber disso, Josias temeu pela segurança de suas terras e decidiu preparar seu exército para enfrentar o faraó.
Quando Neco soube da intenção de Josias, enviou mensageiros para alertá-lo a não se envolver na batalha, pois a guerra não era contra ele. Contudo, mesmo diante desse aviso, Josias insistiu em lutar. A Bíblia relata que ele tirou suas vestes reais e se disfarçou para entrar na batalha (2ºRs. 23:22 e 2ºCr. 35:22). No confronto entre os exércitos, Josias foi gravemente ferido e, infelizmente, não resistiu aos ferimentos.
Depois da morte de Josias, todos os reis que subiram ao trono não deram sequência às reformas realizadas no reino, muito pelo contrário, trabalharam contra elas e fizeram o povo mergulhar cada vez mais fundo na apostasia, e isso preparou o caminho para o cativeiro babilônico. Após a morte de Josias, quem sobe ao trono é seu filho Joacaz, porém ele reina apenas três meses.
O fracasso em defender a Assíria
Era notável o sucesso da expansão territorial da Babilônia, onde em praticamente todas as suas investidas militares obtinha êxito. A cada novo território conquistado, servia de combustível para continuar na batalha por novas terras, assim firmando o seu poder e influência. Em 612 a.C., uma coalizão entre babilônios e medos resultou na conquista da capital da Assíria, Nínive. Dois anos antes dessa conquista, em 614 a.C., os medos deram um golpe doloroso nos assírios quando invadiram e conquistaram a importante cidade de Assur.
A essa altura, o grande império assírio estava dilacerado e passando o cetro da hegemonia do mundo para a Babilônia. O exército assírio que restou após a invasão de Nínive se organizou em Harã, que passou a ser a nova capital. O intuito deles era renovar as forças para retomar Nínive e Assur, porém, o exército medo-babilônico empreendeu uma campanha militar para conquistar Harã, e quando o rei assírio, Assurubalite II, soube da aproximação das tropas inimigas, fugiu com o seu contingente para os desertos da Síria.
A conquista de Harã se deu no início do ano 609 pelo exército medo-babilônico. Por volta do mês de junho daquele mesmo ano, Faraó Neco se alia a Assurubalite com o intuito de retomar Harã e, consequentemente, Nínive e Assur. É exatamente nesta ocasião que Neco precisou passar pelo território de Judá, e Josias o enfrentou no vale do Megido e acabou morrendo em batalha. Depois de vencer o exército de Judá, o rei egípcio seguiu rumo ao apoio assírio contra os babilônios, mas a tentativa de retomada foi um fracasso. Eles até fizeram um cerco em Harã por volta de dois meses, mas se viram forçados a recuar mais uma vez diante da aproximação do exército babilônico para defender a cidade.
O Egito e o exército remanescente do falido império assírio formaram uma base militar em Carquemis com o objetivo de frear a expansão babilônica e proteger os territórios da região que faziam fronteira ou estavam bem próximos do Egito. Caso a Babilônia conquistasse esses territórios, seria uma ameaça perigosa à segurança territorial egípcia. Entre esses territórios “protegidos” pela base militar de Carquemis estava o reino de Judá.
Não é à toa que, quando Faraó Neco retorna dessas campanhas militares, ele passa no reino de Judá, tira do trono o filho de Josias, Joacaz, e nomeia Jeoaquim como rei, ao que dá a entender que o Faraó tinha uma relação mais próxima com ele, que por sua vez também era filho de Josias e, consequentemente, irmão de Joacaz.
A proteção egípcia resultante da base de Carquemis não foi de graça; Neco impôs pesados impostos ao reino de Judá com a promessa de proteção contra os babilônios, já que a principal rota de acesso até eles estava altamente guarnecida em Carquemis. Você pode conferir essa história em 2ºRs. 23:28-35 e 2ºCr. 35:20-27 e 36:1-4.
A vitória da Babilônia em Carquemis e a Queda de Judá

Quatro anos após a implantação das forças egípcias em Carquemis, no ano 605 a.C., Nabucodonosor vem com tudo para guerrear contra essa base, sabendo que, se vencesse, colocaria o Egito em posição bem desconfortável, pois teria a rota rumo ao sul livre para conquistar novas terras e assim ficar na fronteira com o Egito.
A Babilônia estava de fato imbatível, e o quartel-general em Carquemis não foi suficiente para deter a fúria babilônica, que os derrotou sem muito esforço. O relato bíblico em Jeremias 46:3-5 confirma isso:
“Os oficiais egípcios gritam: Aprontem os seus escudos e marchem para a batalha! Ponham arreios nos cavalos e montem! Formem filas e ponham os capacetes! Afiem as lanças e vistam as couraças! Mas o que estou vendo?”— pergunta Deus. Os egípcios estão fugindo de medo. Eles correm apavorados e fogem tão depressa.”
Após a vitória em Carquemis, Babilônia segue em direção ao sul, conquistando tudo que estava em seu caminho até chegar em Jerusalém e, por fim, chegamos ao texto de Daniel 1:1 e 2, que registra o início do cativeiro babilônico com a invasão de Judá por parte de Nabucodonosor, e a primeira medida tomada pelo líder babilônico é fazer com que Jeoaquim quebre sua aliança com o Egito e estabeleça um acordo com ele. Com o propósito de que esse tratado seja cumprido, sabemos pelo versículo 03 do capítulo 1 de Daniel, que Nabucodonosor leva para a Babilônia alguns prisioneiros de guerra. Porém, não foi qualquer um que ele levou. Foram levados nessa ocasião pessoas que tinham influência no reino, empresários, ricos e aqueles que pertenciam à linhagem real, e nessa última classe se enquadra Daniel, por isso ele foi levado nesta primeira invasão ocorrida no ano 605 a.C.
O verso 2, ainda do capítulo 1, também fala que foram levados alguns dos utensílios do templo, que eram feitos de materiais valiosos, como ouro e prata, um ato simbólico de subjugação e dominação espiritual. Por mais que Nabucodonosor viesse embalado de uma sequência de vitórias e que seus exércitos e conquistas fossem dignas de respeito, não foi pela sua força que conquistou o reino de Judá. O versículo 02 é claro e objetivo em dizer: “O Senhor lhe entregou nas mãos a Jeoaquim, rei de Judá…”
As Lições do Cativeiro Babilônico
A história de Judá poderia ter sido completamente diferente se o povo tivesse obedecido a Deus. O cativeiro foi a ferramenta usada pelo Senhor para despertar o povo da decadência espiritual em que haviam caído. Os 70 anos de exílio tinham o propósito de levá-los à reflexão sobre seus erros e trazê-los de volta aos caminhos da obediência. Afinal, é Deus quem está no controle de todas as coisas, e nada, absolutamente nada, acontece sem a sua permissão.
Da mesma forma, muitas vezes enfrentamos dificuldades para refletirmos sobre nossos caminhos e abrirmos os olhos para enxergar onde temos falhado. Deus não fica feliz em punir o ser humano, da mesma forma como um pai ou uma mãe não fica contente em castigar o filho, mas a necessidade de correção também é o fruto do amor.
Contudo, surge outra questão: Por que Daniel e seus companheiros foram levados para o exílio mesmo sendo obedientes a Deus? Por que sofreram as consequências dos erros dos demais?
É difícil aceitar, mas a realidade é que os obedientes são afetados pelos pecados dos desobedientes. No entanto, Deus nunca abandona seus filhos fieis. Daniel é um exemplo inspirador disso. Embora não tivesse participado dos pecados do povo, ele foi levado para a Babilônia, porém, com um propósito: Testemunhar do verdadeiro Deus perante uma nação pagã, e Deus o usou de maneira grandiosa. Daniel desempenhou um papel decisivo na conversão do rei Nabucodonosor, que era conhecido por sua arrogância e prepotência. Além disso, é provável que ele tenha influenciado milhares de outros babilônios.
Nos próximos textos, continuaremos o nosso raio-x pelo capítulo 1 de Daniel, pois hoje foi apenas a introdução. Temos muita coisa para aprender com esse fantástico livro. Espero que este estudo tenha sido edificante. Se você gostou do conteúdo, continue acompanhando esta série e compartilhe com aqueles que se interessam por esse tipo de assunto. Que Deus abençoe a todos e até a próxima reflexão!